segunda-feira, 24 de maio de 2010

Médicos não se deslocam às freguesias rurais de Mértola há pelo menos 15 anos

Quase cinco mil pessoas, na sua grande maioria idosas, são obrigadas a deslocar-se ao centro de saúde do concelho alentejano para terem acesso a cuidados primários de saúde. É como o problema da manta curta: neste caso, o médico não vai até ao doente porque faz falta no centro de saúde. É assim pelo menos há 15 anos, no concelho de Mértola, para quase cinco mil pessoas, a maioria das quais idosas.A razão que justificou o fim das extensões é explicada por António Matos, director do centro de saúde de Mértola. A população que reside em sete das nove freguesias do concelho alentejano "está dispersa por 110 povoações na sua esmagadora maioria com reduzido número de habitantes". O médico que se deslocasse em serviço a qualquer uma das sete freguesias "não tinha condições para observar mais de dez ou 15 pessoas" e "deixaria de atender os que se deslocassem ao centro de saúde", esclarece o seu director.Apenas a freguesia de Corte Pinto, onde se situa a mina de São Domingos, com cerca de mil habitantes, tem direito a extensão médica três vezes por semana, adianta António Matos.
A freguesia de Mértola, com cerca de três mil habitantes, é a única que tem acesso rápido e diário aos cuidados primários de saúde. É assim há pelo menos 15 anos, desde que "foi acordado pela comissão concelhia de saúde que não havia extensões do centro de saúde", dada a elevada dispersão da população e a escassez de médicos, afirma António Matos, acrescentando que a população aceitou a decisão de acordo com um inquérito feito na altura sobre o fim do serviço de extensão.
Miguel Bento, actual vereador na Câmara de Mértola, que foi vereador num executivo maioritário da CDU entre 1998 e 2001, desconhece que tivesse havido uma decisão daquela natureza, para acabar com as extensões do centro de saúde.
O clínico garante que as pessoas têm acesso aos cuidados médicos "com regularidade". Além do mais, "a única farmácia do concelho está em Mértola, assim como a aparelhagem de raio X e o laboratório de análises", salienta o director do centro de saúde, que tem quatro médicos a tempo inteiro e dois a meio tempo, para atender quase oito mil utentes do concelho de Mértola.
Do lado dos utentes a leitura não é a mesma. Na freguesia de São Pedro de Sólis, a mais afastada do centro de saúde, cerca de 40 quilómetros, as pessoas quando precisam de médico, só dispõem de transporte público uma única vez ao dia (às 6h45) e outra carreira para regressar (às 17h30). Isto em tempo de aulas. Nas férias escolares só dispõem de carreira de dois em dois dias. Um bilhete de ida e volta custa sete euros.
Mais doentes do que à idaAs alternativas residem no táxi ou na solidariedade dos vizinhos que têm transporte próprio. Além das despesas com a deslocação, repara o presidente da junta de freguesia, José Manuel Silvestre, "as pessoas, como ficam lá o dia todo, têm de almoçar".Na freguesia vivem pouco mais de 300 habitantes, mas cerca de 65 por cento têm para cima de 65 anos e vivem de reformas "abaixo dos 300 euros", que "mal dá para comer e para a medicação", nota o autarca, dando conta que o que mais "revolta a população" é saber que ao lado, nas freguesias do concelho de Almodôvar, "o médico vai lá pelo menos uma vez por semana".
Maria Venâncio Dias, residente em São Pedro de Sólis, tem carro próprio mas tem consciência das dificuldades para ir ao médico a Mértola. "Passar lá o dia inteiro é desgastante", conta a moradora, que acrescenta: "O que mais custa é ver pessoas com mais de 80 anos à chuva e ao frio", à espera de que o centro de saúde abra ou, então, que haja uma vaga. "O meu marido precisou de médico, fomos às seis horas da manhã e tivemos de vir embora sem ele ser consultado".E como só há médico no centro de saúde, remata: "Junta-se lá tanta, tanta gente, que regressamos mais doentes do que quando que fomos." in publico.pt